A Doutrina de Friedman: haverá vida para além do lucro?
Olá a tod@s.
Ao longo das últimas décadas, o debate sobre o papel das empresas na sociedade tem se intensificado.
Uma das perspectivas mais proeminentes é aquela defendida pelo renomado economista Milton Friedman, no seu artigo de setembro de 1970: “A Friedman doctrine – The Social Responsibility of Business Is to Increase Its Profits”. Nele, Friedman argumentava que as empresas têm como único objetivo a maximização dos lucros para os seus acionistas.
Já se passaram mais de 50 anos desde esse artigo e à medida que a consciência social cresce e a necessidade de sustentabilidade se torna mais evidente, questiona-se se o objetivo de lucro exclusivo é realmente suficiente.
Este artigo visa examinar a visão de Friedman e explorar a importância de uma abordagem mais ampla por parte das empresas, considerando os impactos sociais e ambientais das suas atividades.
O Argumento de Milton Friedman (e as críticas)
Milton Friedman, um dos mais influentes economistas do século XX, defendia a ideia de que as empresas existem para gerar lucro para os seus acionistas.
No seu famoso artigo de 1970, intitulado “A responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros“, ele afirmava que as empresas deveriam concentrar-se exclusivamente em maximizar os seus ganhos financeiros.
Segundo Friedman, quando as empresas se envolvem em atividades sociais ou ambientais, elas estão, na verdade, a desviar recursos que poderiam ser melhor utilizados para aumentar os seus lucros e, assim, beneficiar a sociedade como um todo.
Embora a visão de Friedman tenha sido amplamente aceite no campo da economia por muitos anos, ela tem enfrentado críticas significativas nos últimos tempos. Uma das principais objeções é que a exclusiva procura pelo lucro pode levar a práticas empresariais antiéticas e prejudiciais ao bem-estar social. Por exemplo, empresas que procuram apenas o lucro podem explorar mão-de-obra barata, negligenciar a segurança dos colaboradores ou poluir o meio ambiente em nome de uma maior rentabilidade.
Além disso, a visão restrita de Friedman desconsidera o impacto que as empresas têm na sociedade em geral. As empresas são entidades integrantes das comunidades onde operam e têm uma influência significativa sobre os stakeholders além dos acionistas, como funcionários, clientes e fornecedores. Ignorar o impacto dessas relações pode levar a consequências negativas de longo prazo, como falta de confiança, resistência do consumidor e problemas de reputação.
A Evolução da Responsabilidade Social Corporativa
Nos últimos anos, a responsabilidade social corporativa (RSC) emergiu como um conceito-chave no mundo dos negócios. A RSC implica que as empresas têm uma obrigação de considerar e responder aos interesses de todos os seus stakeholders, além de procurar o lucro. Essa abordagem ampliada reconhece que as empresas estão inseridas num contexto social e ambiental e que as suas ações devem levar em conta os impactos sociais e ambientais das suas operações.
A RSC não implica que as empresas devem esquecer o lucro. Na realidade, só o lucro permite o crescimento, a criação de postos de trabalho e, em última instância, a sustentabilidade para podermos ajudar. O que a RSC procura mostrar é que as empresas devem procurar o sucesso financeiro de forma ética e sustentável.
Ao adotar uma abordagem mais holística, as empresas podem melhorar a sua reputação, construir relacionamentos duradouros com os clientes e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
O Impacto da Sustentabilidade nas Empresas
Uma das áreas em que a visão de Friedman está cada vez mais em conflito com a realidade é a sustentabilidade ambiental. À medida que os problemas ambientais se intensificam, como as mudanças climáticas e a degradação dos recursos naturais, a sociedade exige que as empresas sejam mais responsáveis e conscientes em relação ao meio ambiente.
As empresas começam a perceber que investir em práticas sustentáveis não é apenas uma responsabilidade ética, mas também uma vantagem competitiva. Os consumidores estão cada vez mais conscientes de questões ambientais e estão a optar por apoiar empresas que demonstrem compromisso com a sustentabilidade. Além disso, a legislação ambiental está a tornar-se mais rigorosa em muitos países, o que torna as práticas sustentáveis uma necessidade para evitar penalidades e restrições legais.
Com base em tudo isto, importa lançar uma questão.
Qual o Papel da Empresa na Sociedade?
Uma visão mais ampla do papel das empresas na sociedade reconhece que elas podem ser agentes de mudança positiva. À medida que as questões sociais se tornam mais urgentes, como a desigualdade de renda e o acesso a serviços básicos, espera-se que as empresas desempenhem um papel ativo na promoção do bem-estar social.
Isso não significa que as empresas devem resolver todos os problemas sociais, mas sim que devem considerar os impactos sociais das suas operações e procurar oportunidades de contribuir para a melhoria da sociedade. Isso pode ser feito por meio de iniciativas como programas de responsabilidade social, parcerias com organizações sem fins lucrativos ou investimento em comunidades locais.
Uma abordagem que ganhou destaque nos últimos anos é a criação de valor compartilhado, proposta por Michael Porter e Mark Kramer. Essa abordagem argumenta que as empresas devem procurar oportunidades de negócios que ao mesmo tempo gerem valor para a empresa e solucionem problemas sociais.
A criação de valor compartilhado vai além da responsabilidade social corporativa tradicional, procurando integrar as questões sociais e ambientais no cerne da estratégia da empresa. Ao fazer isso, as empresas podem encontrar novos mercados, desenvolver produtos inovadores e criar vantagens competitivas sustentáveis.
A Doutrina de Friedman: haverá vida para além do lucro?
Embora Milton Friedman tenha sido um dos defensores mais proeminentes da visão de que o único objetivo das empresas é gerar lucro para os seus acionistas, é cada vez mais claro que essa perspectiva é insuficiente para enfrentar os desafios complexos que a sociedade enfrenta atualmente.
À medida que a consciência social cresce e a necessidade de sustentabilidade se torna mais evidente, as empresas começam a entender que devem olhar além do lucro e considerar os impactos sociais e ambientais das suas atividades.
A responsabilidade social corporativa, a sustentabilidade ambiental e a criação de valor compartilhado são abordagens que procuram equilibrar a procura pelo lucro com a responsabilidade social. Ao adotar uma visão mais ampla do papel das empresas na sociedade, elas podem não apenas melhorar a sua reputação e relacionamento com os stakeholders, mas também contribuir para um mundo mais justo, sustentável e próspero para todos.
No final das contas, é necessário encontrar um equilíbrio entre a maximização dos lucros e a consideração dos impactos sociais e ambientais. Cabe às empresas e líderes procurar estratégias e práticas que levem em conta os interesses de todos os stakeholders, ao mesmo tempo em que asseguram a criação de valor para os acionistas. Somente assim as empresas poderão adaptar-se à procura de uma sociedade em constante evolução e construir um futuro mais sustentável.
Nota final:
Ao escrever este artigo, muitas mais coisas poderiam ser ditas. Por isso, acho importante fazer uma nota final.
A questão de saber se Milton Friedman tinha razão na sua doutrina sobre o único objetivo das empresas ser a maximização do lucro é um tema de debate permanente e que, na minha opinião, não terá uma resposta certa.
Na verdade, a visão de Friedman tem recebido apoio e críticas de vários académicos, economistas e líderes empresariais. Vejamos os diferentes lados.
Os apoiantes de Friedman argumentam que a sua doutrina está de acordo com os princípios fundamentais do capitalismo, enfatizando a importância dos mercados livres e da liberdade individual. Defendem que, ao concentrarem-se na maximização dos lucros, as empresas podem afetar recursos de forma eficiente, impulsionar a inovação, criar empregos e gerar crescimento económico. De acordo com este ponto de vista, as empresas estão mais bem equipadas para servir a sociedade, prosseguindo os seus objetivos económicos dentro dos limites legais e éticos estabelecidos pelo mercado.
Por outro lado, os críticos argumentam que a doutrina de Friedman simplifica demasiado o papel das empresas na sociedade e negligencia os impactos mais vastos que estas têm sobre as partes interessadas e o ambiente. Defendem que as empresas devem ser mais responsabilizadas pelas suas responsabilidades sociais e ambientais, uma vez que têm o potencial de influenciar e contribuir para o bem-estar da sociedade para além da mera geração de lucros. Os críticos sublinham a necessidade de uma abordagem mais holística e sustentável, em que as empresas tenham em conta os interesses de todas as partes interessadas e enfrentem ativamente os desafios sociais e ambientais.
Ambas fazem sentido e, num duelo de argumentos, nenhuma seria claramente vencedora. No entanto, é importante notar que o panorama empresarial evoluiu desde o tempo de Friedman. O surgimento da responsabilidade social das empresas, do capitalismo das partes interessadas e das práticas empresariais sustentáveis reflete um reconhecimento crescente de que as empresas podem e devem desempenhar um papel mais amplo na resolução dos problemas sociais.
Em última análise, o facto de Friedman ter ou não razão depende da perspectiva de cada um e do contexto específico em que as empresas operam. Não existe uma resposta definitiva, uma vez que o debate sobre o objetivo das empresas continua a evoluir e a ser moldado pela evolução das expectativas e dos desafios da sociedade.
O que é certo é que o lucro será sempre peça fundamental. O que diferencia empresas com sucesso duradouro das demais é o que fazemos com ele.
Um abraço,
Sérgio Salino
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